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PAULO CIDMIL - *Aîuká Mboîa

PAULO CIDMIL - *Aîuká Mboîa Paulo Cidmil é diretor de produção artística e ativista cultural Notícia do dia 25/02/2025

Dizer que nativos não tinham domínio da escrita, logo não poderiam definir a grafia para escrever Çairé não esclarece nada. Poucos são os povos que desenvolveram a própria escrita.

 

A escrita inicia com os sumérios, eles criam símbolos que representam coisas e nomes, evolui com os hieróglifos egípcios, a caligrafia árabe, os ideogramas chineses, e no século XIV a.C. os fenícios inventam o alfabeto. A partir daí, alguns símbolos combinados podem expressar os sons de uma língua.

 

No século XV, antes da chegada dos europeus nas Américas, a Europa, parte da Ásia e do Oriente Médio já conheciam a tipografia e o livro.

 

Os portugueses, que nunca foram burros, pensavam na integridade do vasto território, unificar a língua para facilitar o domínio, era uma estratégia.

 

O tupi era predominante no sul, sudoeste, sudeste e em todo o litoral brasileiro até o imenso Grão Pará.

 

Os diversos povos que falavam tupi tinham suas formas de comunicação pela similaridade da língua.

 

Com auxílio de linguistas das missões jesuítas, foi desenvolvida uma linguagem que unificasse as diversas línguas tupi.

 

Para facilitar a comunicação e domínio, surge a língua geral ou geral paulista e o Nheengatu, mais difundido na Amazônia. Ambas conhecidas como tupi moderno, são variações do tupi antigo com alguma contribuição da língua portuguesa.  Ganham gramática e escrita.

 

 A língua geral e o Nheengatu chegaram a ser a língua oficial por um período no Brasil-colônia. Por avaliar que poderia ser uma ameaça ao Império, foi proibida por Marques de Pombal.

 

Hoje o Nheengatu é uma língua viva não apenas no rio Negro, onde recebeu influência de línguas de tronco aruaque e tukano. O nheengatu é falado e difundido por um expressivo grupo de professores indígenas muito próximo de nós.

 

Eles trabalham o ensino do Nheengatu Tapajowara. Certamente poderão contribuir, esclarecendo sobre fonologia e ortografia Tupi.

 

Suponho que as pessoas que definiram o Çairé com cedilha se orientaram pelo tupi antigo, já estudado e registrado pelos jesuítas a partir da língua do povo tupinambá.

 

Dizer que o cedilha é invenção da gramatica espanhola, da qual desapareceu, permanecendo apenas na língua portuguesa, é argumento alienígena ao assunto, pois estamos falando da língua Tupi.

 

O cedilha está presente tanto no Tupi antigo quanto no tupi moderno. O título pomposo às vezes precede a tolice, como se fosse possível apagá-la.

 

Atribuir a escolha ao Lira Maia e fazer disso uma pinimba do contra e a favor é apenas uma estupidez. Outras pessoas com conhecimento definiram a escolha. 

 

Na época, Lira Maia estava mais preocupado em como fazer muito dinheiro, na intermediação de terras no planalto. Compradas dos colonos agricultores e vendidas aos sojeiros do Mato Grosso. Menos alimento na cidade e soja para exportação. Região onde hoje prospera doenças respiratórias, de pele e o câncer.

 

Achar que Çairé com cedilha pode nos envergonhar diante dos turistas é um equívoco. Uma cidade de 300 mil habitantes, polo universitário, que divulga seu maior evento cultural em todas as formas de mídia, grafado fora da norma da língua portuguesa, certamente não será visto como um erro.

 

É fácil deduzir que o nome remete a uma origem.  A principal origem do evento é indígena. A grafia e o evento levam o visitante a uma imersão na cultura amazônica de forte referência indígena, faz conexão imediata com a ideia de ancestralidade amazônica, predominantemente indígena.

 

Como marca e marketing, a palavra Çairé imprime uma originalidade que a palavra Sairé não pode oferecer.

 

A partir de 1997, quando o Çairé ganha o Festival dos Botos, foram 20 anos de Çairé com cedilha e 8 de Sairé com “S”. Qual a intenção da troca agora? Fazer a população lembrar de Maria? Agora vivendo união política estável com Lira Maia.

 

Trocar a principal marca do evento, conforme muda a gestão municipal, é um contrassenso. E nós sabemos, que após a última eleição, todos os gatos são pardos e estão dentro do mesmo saco.

 

Dar o direito, e ao mesmo tempo transferir a responsabilidade à população de Alter do Chão, especialmente aqueles que realizam a festa, de decidir a grafia do evento através de um plebiscito, é democrático e excelente oportunidade para o exercício da cidadania.

 

Alter vive sob intensa pressão da especulação imobiliária, é um ecossistema delicado, com expansão urbana desenfreada, sem saneamento básico, sem plano de mobilidade urbana, transporte precário, coleta de lixo ineficiente, estrada que deveria ser duplicada, precisa urgentemente de um centro de formação com foco no meio ambiente e turismo e a escola que poderia ser o espaço público para a formação e qualificação profissional tornou-se propriedade privada, benesse de Nélio Aguiar a aliados.

 

Reverter esse quadro, só com mobilização e práticas coletivas. Promover decisões deliberativas e até plebiscitária para propor mudanças ao poder público, é a melhor forma de pressão e um marco de civilidade que ainda não alcançamos no país.

 

Nenhum bairro, macro região ou distrito de Santarém tem as condições objetivas para esse exercício de cidadania, mas Alter certamente tem. Todos os setores da vida econômica, social e cultural são minimamente organizados e articulados. Há uma massa crítica qualificada, capaz de nortear direção para o desenvolvimento equilibrado e sustentável.

 

O gigante com olhar de cifrão está vindo com fome voraz. A lógica não é a da prosperidade, consciente com o meio ambiente e a vida comunitária, mas da gula cumulativa.

 

Só com resistência coletiva é possível acordar regras, para uma convivência produtiva com equilíbrio social e ecológico.

 

Os últimos movimentos do governo Zé Maria colocou a gestão ambiental – Semma, o ordenamento jurídico municipal, a política habitacional e a administração regional, com influência direta na Semas, nas mãos de um grupo político.

 

O bagulho tá doido e deve piorar.

*O autor é diretor de produção artística e ativista cultural

*Aîuká Mboîa - Matar a Cobra, mato a cobra

 

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