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JACKSON RÊGO - A Cor do Rio Azul Verde Cristalino

Alter do Chão, o 'Caribe Amazônico'

JACKSON RÊGO - A Cor do Rio Azul Verde Cristalino Jakcson Rêgo, professor da UFOPA Notícia do dia 23/01/2022

A notícia corre o mundo e o governo de estado do Pará lança nota dizendo que há dúvidas se a barrenta água do Tapajós é culpa de garimpos ou da chuva. Em tempos de negacionismo e de uma ciência centrada em interesses econômicos, tudo é possível, até auto sabotagem.

 

Mesmo que os resultados das pesquisas, agora encomendada à recente Universidade multicampi instalada no Oeste do Pará, mostre que a mudança na coloração seja somente devido às fortes chuvas, o fato está consumado: alguma coisa está fora da ordem nas margens do Rio Mais Belo do Mundo e há muito tempo, já não cabendo o lixo embaixo do tapete, até porque o próprio desgoverno federal terá qie dar respostas à sociedade. 

Foto 1: O rio azul e seus encantos. Fonte Rêgo Matos, 2021.

 

No mesmo rio entramos e não entramos, somos hoje e amanhã já não somos os mesmos, escreveu Heráclito de Éfeso, o 'Pai da Dialética', comprovando que o pensamento assim como nós, também flui (~523 a.C - 475 a.C.). Se entrarmos em águas puras, sairemos limpos, se entrarmos em águas poluídas, teremos que voltar para tomar banho em casa. 

 

Entre as leis da dialética, duas merecem nosso entendimento. Tudo se relaciona; tudo está conectado. As mudanças ocorrem de forma quantitativas e qualitativas. Destas últimas, os números estão postos até pela PF nos últimos JNs.  

 

Muito se tinha avançado com turismo de vento em popa e muitos até ficando bem de vida. Mas a mudança da coloração relacionada à ação humana,  que era imperceptível até que o “projeto boiada” do ex-ministro do meio do ambiente, abriu as minas para nova corrida do ouro na Amazônia e escancarou o fato mostrado pela reportagem do The Intercept Brasil, de que estamos a deriva, comprovada pelas  empresas mineradoras do Canadá que adquiriram outorgas de lavras sem licença ambiental e foram beneficiadas por resolução assinada pelo atual presidente, para explorarem “legalmente”, muitas toneladas de ouro. E nós do baixo Tapajós, e o turismo que havia se transformado na galinha dos ovos de ouro?    

 

Como professor especialista da área de Conservação da Natureza, me vejo no dever de fazer estas considerações, na esperança de que alguém responsável leia a mensagem aqui contida, como alguém que acha uma garrafa ao mar e tome as providências que são necessárias de transformação para melhor.

 

Alter do Chão está entre os destinos mais procurados e o principal motivo é o Rio Tapajós. 

 

Se colocarmos aqui a biodiversidade, a floresta e a cultura dos povos e a culinária, não tem competição, pois a região explode em múltiplas atrações. Mas o caboclo, mesmo muito conhecedor da floresta, continua esquecido, longe dos benefícios de Higienópolis, que tudo tem.

Foto 2: O rio verde cristalino e o mistério de outras lógicas e mitos. Fonte Rêgo Matos, 2021.

 

Recentemente, em frente ao encontro das águas ( Rio Amazonas-Rio Tapajós), com meu amigo irmão Mário Adonis, um sábio professor daqui, conversamos sobre as forças contrárias que estão por trás dessa tragédia há muito anunciada. De um lado, alguns políticos empresários, os donos do poder que tudo podem. Do outro o povo simples, daqui, de Santarém, de Itaituba, os ribeirinhos e também indígenas, mas que nada tem. Porém, acreditam em sua autonomia e independência através do turismo e do uso da biodiversidade, a partir da cultura ancestral.

 

Muito se fala em bioeconomia, mas o que será desta sem o sócio-ambiental? Pura barganha de quem acostumou-se a viver do cadáver alheio. Mas os sábios nos falam: É preciso respeitar a vida da natureza (Dt 20, 19-20). Tentem ver as dezenas e centenas de cicatrizes no google maps do garimpo do Cuiu Cuiú e verão o tamanho do problema. E a pergunta fica: Onde estão nossas instituições? ICMbio, IBAMA, SEMA, SEMAs e até a PF? Tá tudo legal?.

 

Enquanto o governo do Pará institui o dia 11 de dezembro como dia do garimpeiro, sobrepondo-a sob uma data histórica para o povo do Tapajós, que requer há mais de 170 anos o direito de ser um novo estado federativo do Brasil, o povo catraieiro, lancheiros, barraqueiros e donos de hotéis, vivem na incerteza de seu futuro, de como será sua sobrevivência amanhã.    

Foto 3: os trabalhadores em sua fé.

 

Somos da periferia, os mesmos talvez da Frequezia do Ó, mas aqui pra vocês... Alter do Chão, o Amazonas e o Tapajós, dois eternos namorados, se transformaram em lugar de encontro, guardando na frente da cidade, os seus sonhos.

 

O marrom barrento nada tem de haver com chuvas que fez Alter virar notícia, novamente.

 

Tem de haver, justamente pelo abandono da região, exemplificada, claramente, na megaoperação de apreensão de 131 m3 de madeira na gleba Mamuru Arapiuns, nos incêndios de 2019 em Alter e de Novo Progresso que chocou São Paulo, com densa nuvem negra no dia ‘D do fogo’. Isto mostra que a causa principal é o modelo de gestão praticada há anos por uma elite metropolitana que não quer a autonomia do Estado do Tapajós, por ser uma elite cega movida pela mesma ambição, cobiça e ganância que move a corrida da febre do ouro nos garimpos do Tocantinzinho. 

 

O resultado deste abandono agora é imediato e a solução requer também atitude imediata em todos os níveis e esferas, não só parar a dragagem e pensar estratégias de conservação a curto, médio e longo prazo, mas dando aos garimpeiros alternativas de dignidade e condições quantitativas e qualitativas para o povo respirar e viver em harmonia com a natureza.

 

É preciso que o senador que pediu vistas para ver motivos inoportunos e inadequados, saia de cima do relato do senador amazonense Plinio Valério e deixe os demais senadores, darem a oportunidade do povo do Tapajós decidir definitivamente pelo seu destino, deixando os dois gigantes permaneceram com suas cores naturais, sendo o azul da cor do céu e o barrento da cor das terras caídas.

 

Desta forma, mais que nunca faz-se necessário reconhecer que este povo tem uma identidade própria.

 

São os descendentes de Moaçara e de Nurandaluguaburabara, tem história contada e escrita, sendo chegada a hora de seus legítimos filhos ordenarem este espaço com regras e princípios sustentáveis, baseado na força dos contrários, vergonha e coragem dos governantes, e a busca de governança e governabilidade, a união dos povos e o respeito à natureza, mostrando que somos capazes de mudar, mas seguindo azul verde cristalino, a mesma cor das águas, sempre. 

Foto 4: A cor dos contrários

 

* O Autor é professor titular Universidade Federal do Oeste do Pará ( Ibef/Ufopa); Membro fundador do Instituto Histórico e Geográfico do Tapajós (IHGTap); Acadêmico da Academia de Letras e Artes de Santarém (Alas);  Diretor do Instituto Sebastião Tapajós (IST).

* Fotos: Rêgo Matos.

 

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